Passos,
escuta... o meu nome é António Mariano, tenho 55 anos de português, 35
de estivador e 18 de sindicalista. Fomos eleitos - no meu caso em
eleições directas, no teu, em indirectas, foste escolhido por uma
maioria dos deputados eleitos para a AR - para representar um
determinado universo.
Represento quase 400 estivadores que escolheram a minha equipa para
estar à frente da nossa centenária associação de classe, constituída em
1896, para representar os nossos interesses individuais e colectivos bem
como o daqueles que no futuro irão desempenhar esta profissão de
apaixonante risco. Tu representas os mais de 10 milhões de cidadãos, em
que os estivadores se incluem. Tudo o resto é um mar de conflitos que
nos separam, tão diferentes são os modelos de sociedade e os valores que
defendemos.
Começando pelos valores em que baseias a tua formação, realço a
Mentira que encarnas, que tão bem cultivas, que atravessa toda a tua
existência. Olho para o teu exemplo e dou por mim a pensar como poderia
continuar a desempenhar o cargo para o qual fui eleito se estivesse
constantemente a mentir aos meus sócios, a dizer-lhes hoje o contrário
do que lhes tinha afirmado ontem, a faltar às promessas de música
celestial da última campanha eleitoral.
Posso especular sobre os tremendos problemas de consciência que me
assaltariam a não ser que estivesse ao serviço de interesses opostos aos
que me elegeram, se me tivesse vendido. Felizmente os estivadores nunca
me iriam permitir tal comportamento e, no mínimo, já me teriam mostrado
a porta de saída.
Tu manténs-te agarrado ao poder mas imagino que terás sonantes razões
para isso, a avaliar pelos teus gurus, conselheiros e a restante turma
que te rodeia. Foram essas más influências, aliadas aos grupos
económicos que te patrocinam e dominam o sector dos portos, que
estiveram na origem do assalto legislativo e do clima de impunidade face
às reiteradas violações legais e contratuais a que temos estado
sujeitos.
Como podes agora verificar, pelo acordo que assinámos no passado dia
14 de Fevereiro com os patrões de Lisboa, aquilo que de mais
significativo alcançámos foi a reintegração de 47 estivadores
despedidos. Essa nossa luta deveria ser a tua, a luta por empregos de
qualidade, com a dignidade que também devias reconhecer aos portugueses,
por políticas de emprego real que evitassem a sangria dos nossos jovens
e menos jovens para rios de desemprego, emigração, desespero e morte.
Não há dia em que não fales no esforço dos portugueses, tal como não
há dia em que não os desrespeites. Nós, trabalhadores portuários, mesmo
durante um longo processo de luta, nunca deixámos de garantir as
importações e as exportações de que o país precisa. O que fizeste tu
para lá de tudo dificultar? Haverá português com pior índice de
produtividade? Mesmo dando de barato que para ti a economia são as
empresas quando, para mim, são as pessoas. Não conheço alguém que mais
tenha destruído a economia nacional, na esteira aliás de um teu
antecessor, cúmplice desta tua governança.
A fúria com que levas a cabo esta agenda ideológica é de tal maneira
radical que estás incapaz de ver as consequências para a vida das
pessoas. No Porto de Lisboa, por exemplo, que é a realidade que melhor
conheço, a irracionalidade da lei dos portos, que aprovaste contra tudo e
contra todos, levou 47 estivadores a serem indevidamente despedidos,
quando o seu trabalho era crucial para garantir o melhor desempenho do
porto. Os patrões já o reconheceram e comprometeram-se a reintegrá-los a
todos, mas nada apaga o sofrimento de estar um ano sem trabalho. Terás
ideia do que isso significa? Bem sei que só te preocupa a performance
das exportações - realidade que deste modo prejudicaste -, mas deixa-me
dizer-te que a tua intransigência tem um tremendo impacto na vida real
das pessoas. O desemprego é quase sempre a causa de outros avatares, do
divórcio à depressão, de desistir de ter filhos à perda da habitação, da
falta de horizontes ao escape ilusório da emigração.
Passos, escuta... estamos fartos de ver emigrar os nossos familiares,
os nossos direitos, os nossos sonhos, e vamos continuar a lutar para
que rapidamente entendas que o melhor para todos é que sejas tu, o teu
governo, os teus banqueiros, os próximos a partir. Ninguém deixará cair
uma lágrima quando tu zarpares. Essa viagem é hoje a condição para as
pessoas voltarem a ter esperança num futuro melhor. Não bastará, é
certo, mas tudo recomeçará nesse dia inicial, inteiro e limpo.
Presidente do Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul de Portugal
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